terça-feira, 9 de junho de 2009

Doença do Segredo




A maior parte dos portadores de TOC está ciente de suas obsessões, no entanto é difícil se desvencilhar delas

Cynthia Ferreira

Na lista dos distúrbios psiquiátricos mais freqüentemente encontrados, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) ocupa a quarta posição, atingindo pelo menos 2% da população mundial. Quem sofre de TOC carrega consigo um determinado leque de pensamentos e rituais que consomem tempo e afetam as atividades do dia-a-dia. A doença mantém o cérebro envolvido profundamente em uma necessidade a qual deve ser cumprida à risca no intuito de aliviar sensações como ansiedade, nojo ou desconforto.
Estima-se que 400 milhões de brasileiros são portadores de TOC. Movidas pela vergonha, muitas vítimas ainda escondem a enfermidade por reconhecerem que seus hábitos não possuem sentido algum. O fato de não obter sucesso na luta contra certo tipo de pensamento é motivo de sofrimento para quem sofre do transtorno. Mais graves ainda são os casos de TOC sem crítica - ou TOC sem insight – onde o tratamento é mais complicado, pois o indivíduo não reconhece em si as obsessões e as compulsões.
Os temas obsessivos são variados, visto que surgem a partir de um conjunto de idéias, imagens, medos ou preocupações aparentemente sem significados para os portadores do TOC. As obsessões mais freqüentes são as de limpeza e contaminação (por sujeira e doenças), verificação, pensamentos religiosos, sexuais, obsessões com simetria e com colecionismo. Já as compulsões são comportamentos repetitivos que ocorrem em resposta, ou não, a uma obsessão. As mais comuns são as manias de limpeza e lavagem, verificação, contagem, ordenação e arranjo, rezar e colecionar.

TOC e a mídia

Nota-se que hoje em dia a divulgação sobre o TOC nos veículos de comunicação tem crescido, abrindo espaços para esclarecimentos e discussões sobre o assunto. A abordagem sobre a doença foi parar nas salas de cinema em 1997, com o filme Melhor é Impossível, estrelado pelo ator norte-americano Jack Nicholson. Na trama ele vive o escritor Menvin Udall, freqüentador assíduo de um restaurante que faz questão de sentar na mesma mesa e ser atendido pela mesma garçonete todos os dias. Suas manias incluem carregar consigo seus próprios talheres e a relutância em pisar no rejunte entre duas lajotas, pois pensava que isso podia lhe trazer grande azar.
Outra produção cinematográfica é o filme O Aviador (2004), dirigido por Martin Scorsese. Interpretado por Leonardo di Caprio, Howard Hughes é um jovem milionário que investe na indústria do cinema e é apaixonado por aviação. Apesar da carreira bem sucedida, o aviador passa a perder o controle de si mesmo por conta de seu transtorno obsessivo-compulsivo. Lavar as mãos até sangrar, repetir centenas de vezes a mesma frase são algumas de suas obsessões retratadas no filme.
O caso mais recente de TOC no mundo dos famosos é o do jogador de futebol inglês, David Beckham. Em rede nacional, ele admitiu sofrer do transtorno que o faz obcecado por simetria. A doença o obriga a pôr os objetos em linha reta ou em pares. Ele organiza as garrafas de refrigerante na geladeira simetricamente. Se o jogador percebe que existem três garrafas, por exemplo, ele esconde uma delas dentro de um armário para que fique fora do seu campo de visão.
No Brasil, algumas personalidades já sofreram com o distúrbio, como o cantor Roberto Carlos. Seu pavor a cor marrom, a obsessão pelo azul e outras manias como entrar e sair pela mesma porta são conhecidas nacionalmente. O cantor chegou ao ponto de excluir do seu repertório uma das suas músicas mais consagradas, como “Quero que tudo vá para o inferno”, para não ter que pronunciar palavras que ele julgava relacionadas ao mal. A ciência fez com que o Rei desse conta de que ele não era supersticioso mas sim, vítima de TOC. Luciana Vendramini é outro exemplo de quem conseguiu controlar as compulsões e retornar à vida normal. No auge da doença, a ex-paquita ficou quatro anos sem praticamente sair de casa.
Em entrevista a ISTOÉ, Vendramini relatou que chegou a permanecer dez horas embaixo do chuveiro, provocando feridas em todo o corpo. “Foi um inferno, morte em vida. Se na minha mente se abrisse o ciclo de que para desligar a água quente do chuveiro eu tinha de ouvir o barulho de um lápis caindo, enquanto não ouvisse mentalmente esse barulho eu não fechava a torneira. Ninguém conseguia me tirar dali”, desabafou.

TOC ou não?

De acordo com a doutora Jussara Melo Vieira, especialista em Psiquiatria e perita clínica-geral do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os sintomas obsessivos são comuns na população em geral. Organizar as roupas conforme a cor de cada peça, verificar mais de uma vez se a porta está realmente trancada, entre outros rituais, podem até se revelar como métodos produtivos e práticos. São manifestações aceitáveis que não causam sofrimento e não geram incômodo algum. “O TOC em si só afeta a vida de uma pessoa que só chega ao trabalho caminhando em uma determinada linha da calçada por pensar que algo de mal irá acontecer se aquilo não for feito”.
Para a psicóloga e professora do Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac), Kátia Regina Silva, o tratamento psicoterápico é fundamental. “Nós enquanto psicólogos recomendamos a psicoterapia, os médicos, por sua vez, também recomendam o uso de determinados medicamentos, dependendo dos sintomas”, argumenta. A associação entre duas as modalidades: terapia cognitivo-comportamental (TCC) e medicamentos - geralmente os antidepressivos e ansiolíticos – apresenta resultados satisfatórios na grande maioria dos casos.
Visite o site da Associação de Portadores de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo (Astoc) para obter maiores informações sobre a doença. O site também fornece informações sobre onde procurar tratamento, seja na rede de saúde pública ou particular.

Saiba Mais


O TOC é o tema do Pod Ter Saúde com a médica psiquiatra Dra. Roseli Gedanke Shavitt, pesquisadora do PROTOC (Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A especialista destaca, entre outros pontos, as diferenças determinantes entre os simples costumes e os hábitos do transtorno.


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